O Caso do Marijean

10744850_10152474219732309_714728255_n.jpg

Por: Rodrigues Pereira

 

No Verão de 1981 o NRP Zaire realizou mais uma das suas viagens de apoio aos guardas do Parque Natural das Ilhas Selvagens, levando a bordo também uma equipa de faroleiros para vistoriar os dois faróis daquelas ilhas.

Tendo atingido a Selvagem Grande ainda aos primeiros alvores, decidiu o comandante do navio continuar a viagem até à Selvagem Pequena onde chegariam já em pleno dia, permitindo aos faroleiros um desembarque mais seguro e uma visita ao farol em pleno dia.

Ao aproximar-se do fundeadouro o navio português deparou-se com uma situação, digamos, bizarra. Fundeado bem junto à praia estava uma pequena embarcação de pesca, de cerca de 12 metros de comprimentos, com a bandeira espanhola içada; era o Marijean, matriculado nas ilhas Canárias.

Na praia estavam abicadas três grandes baleeiras a remos e vela, e em terra, estavam literalmente acampados, dezoito pescadores espanhóis que, além das tendas e de uma cozinha improvisada, tinham montado uma seca para o peixe.

Recordo que a última visita às ilhas tinha sido efectuada duas semanas antes.

Desembarcaram do navio duas equipas; uma, sob o comando do oficial imediato para identificar os ocupantes da ilha e outra com os faroleiros que iriam vistoriar o farol.

Identificados todos os ocupantes da ilha, foi-lhes ordenado que levantassem o acampamento e abandonassem a ilha e se dirigissem à Selvagem Grande.

Com muita resistência passiva lá recolheram os seus pertences e, escoltados pelo Zaire, foram fundear na baía das Cagarras, ficando as três baleeiras amarradas pela popa do pesqueiro.

Comunicado o sucedido para o então comando Naval da Madeira, recebeu-se, três horas depois a confirmação das intenções do comandante. Deixar na baia das Cagarras, abicadas na rampa, as baleeiras e levar para o Funchal o pesqueiro.

O Zaire foi, entretanto, executando as restantes tarefas que o tinham levado até àquelas ilhas; os faroleiros inspeccionaram o farol, fez-se a rendição dos guardas e desembarcaram-se mantimentos, água e outros materiais necessários aos guardas que ali permaneciam.

Continuando a resistência passiva dos espanhóis em levar o navio para o Funchal – alegavam que não aguentava aquela tão longa viagem e também que não tinham combustível. Havíamos verificado que tinham deitado gasóleo ao mar durante o curto trajecto entre as duas ilhas.

A bordo do Zaire prestava então Serviço militar um jovem pescador que tinha vindo de Moçâmedes para o Algarve numa embarcação ainda mais pequena e que ofereeu para conduzir o Marijean até ao Funchal.

A meio da tarde o comandante do Zaire decidiu que, depois de encalhadas e espiadas para terra as três baleeiras, se passasse reboque ao Marijean e se largasse para o Funchal, a 180 milhas (± 335 km) de distância.

Era importante efectuar algumas horas da viagem durante o dia para se poder averiguar do comportamento da embarcação de do respectivo cabo de reboque.

Os espanhóis foram reunidos na tolda do Zaire, junto à peça de ré, guardados à vista por um marinheiro armado.

Para bordo do pesqueiro foram enviados três marinheiros que garantiam o controlo da situação a bordo: manobrar o leme, verificar o cabo de reboque e detectar alguma infiltração de água a bordo.

Realizada a cerca de 4 nós (7,4 km/h) de velocidade a viagem até ao Funchal demorou 48 horas.

No Funchal o processo de contra-ordenação foi entregue à Capitania do Porto do Funchal e só ao fim de duas semanas a “multa” foi paga – pelo consulado espanhol – e o Marijean escoltado de volta às Selvagens onde recolheram as baleeiras e depois até fora das águas territoriais portuguesas a Sul daquele arquipélago.

Ao que se julga saber este incidente – e especialmente o facto de a “multa” ter sido paga pelo consulado Espanhol – serviu como prova da soberania portuguesa sobre aquelas ilhas junto do Tribunal Internacional de Haia, onde o Estado Espanhol teria apresentado a questão.

Com última cena, julgo lembrar-me que o cônsul espanhol foi exonerado alguns dias depois do incidente terminado.

 

publicado por Pedro Quartin Graça às 08:21 | link do post | comentar