No reino da blogosfera
por TIAGO SALAZAR
À passagem dos dez anos de vida, a blogosfera portuguesa está ao rubro. Apesar de muitos blogues serem apenas um espaço recreativo, há quem leve a peito a questão informativa e aspire a ombrear com a imprensa,
A blogosfera portuguesa ainda não é rival dos media tradicionais ou tem a força de um gigante informativo como o anglo-saxónico The Huffington Post (huffingtonpost.com), mas um dado é certo: há blogues visitados diariamente por milhares de leitores fiéis que os frequentam como quem lê um jornal ou revista. “São lugares mais arejados”, como nos dirá jocosamente uma frequentadora habitual do ciberespaço. A fazer fé nos cliques dos site meters (os medidores de leitura incorporados nos blogues), é já expressivo o índice de visitas de blogues como o líder Abrupto (abrupto.blogspot.com), do colunista e ex-deputado do PSD Pacheco Pereira, com uma média quatro mil visitas diárias e 26 mil semanais, ou o Câmara Corporativa (corporacoes.blogspot.com), onde pontua Miguel Abrantes, reconhecido como um dos actuais blogues de maior influência – por curiosidade, a nível mundial, o campeão dos blogues é o PerezHilton.com, versado em dissecar a vida de celebridades.
Segundo Leonel Vicente, mentor do blogue Memória Virtual (memoriavirtual.net) e estudioso do fenómeno da blogosfera, “cada vez mais os blogues seguem (acompanham, analisam, dissecam, debatem entre si) as notícias; cada vez menos os blogues – a novidade da blogosfera, enquanto forma individualizada de expressão e comunicação – são notícia em si mesmo”. Leonel acredita que mais do que medir forças “se tem vindo a acentuar a tendência de complementaridade e interpenetração entre a blogosfera e a mediaesfera”. Explica o blogger: “Tal é patente, por um lado, com o desenvolvimento do chamado “jornalismo do cidadão”, a par do crescente número de colunistas de jornais revelados nos blogues. Em paralelo, este intercâmbio traduz-se, por outro lado, no contínuo afluxo de jornalistas à blogosfera.”
No início deste ano assistiu-se a um exemplo da derradeira expansão blogoesférica: a chegada ao Twitter (o último grito do impulso da micropublicação e da "publicação instantânea" possível a partir de qualquer telemóvel) de diversos jornalistas e também de deputados e outros políticos. No entanto, acrescenta Leonel, “a blogosfera em Portugal reúne uma ainda pequena família em termos de massa crítica. Ou seja, falta um projecto de produção de conteúdos jornalísticos estruturados com ênfase na vertente informativa”.
Mas a maioria dos leitores e autores de blogues contactados pela NS’ garante usar já a blogosfera(internacional, sobretudo) como complemento aos meios tradicionais de comunicação social. Sobretudo a oriunda dos EUA e da Grã-Bretanha, onde alguns blogues são já alternativa informativa – caso, entre muitos, do blogue líder na ala dos Negócios Estrangeiros do inglês Andrew Sullivan (andrewsullivan.theatlantic.com), lido anualmente por milhões de e-leitores e com médias diárias da ordem dos 143 mil; o portal da inteligentsia de Washington (willwilkinson.net/flybottle), que fornece links para artigos político-económicos de referência em todo o mundo; ou os comentários avisados de política doméstica e internacional de Steve Clemons, mentor da New America Foundation, disponíveis como um vulgar matutino em thewashingtonnote.com.
Caminhará a blogosfera em Portugal para esta esfera de influência em que os blogues ombreiam com os jornais e revistas? – é a questão que se impõe.
“Acho que as organizações políticas, empresas e agências de comunicação têm de estar muito atentas ao pulsar da ‘comunicação orgânica’ que brota cada vez com mais autoridade e para mais público dos canais online. Há muita qualidade na blogosfera que concorre claramente com os meios tradicionais”, afiança o experimentado bloguer João Távora (ex-Corta-Fitas, actual Risco Contínuo).
Por seu turno, Rita Barata Silvério, autora do blogue sobre mundanidades Rititi (www.rititi.com), discorda da autoridade informativa da blogosfera. “Em Portugal, a blogosfera é ainda olhada como uma outra fonte de opinião, não de informação. Funcionam os blogues mais como colunas e assim são encarados os bloggers, como alternativas aos colunistas da imprensa escrita. Esta é a diferença em relação aos EUA, onde os blogues informam e portanto são credíveis e estão à altura dos jornais.
O único blogue que faz informação política é o 31 da Armada, quando acompanha os congressos dos partidos políticos”, afirma. Porém, garante, “é na blogosfera que ainda se encontram as vozes mais frescas, imaginativas e desembaraçadas da escrita portuguesa”. Rita sempre teve público leitor e não viu nos blogues um pasto para o ego. “Graças a Deus sempre tive uma voz, que foi amplificada quando comecei a publicar no blogue. Não escrevo para ser uma ‘figura pública’, mas sim porque acho que tenho coisas a dizer sobre temas que me interessam. Acontece que há gente interessada no que eu penso e por essas opiniões estarem publicadas num meio global e gratuito têm uma grande divulgação. É como falar num café mas com mais gente a ouvir”, esclarece. Entre os blogues que segue com atenção há a mais variada escolha, de moda, política e literatura a homens bonitos e programas de televisão. Por exemplo, o Bomba Inteligente, Controversa Maresia ou Corta-Fitas.
Para Miguel Castelo Branco, que alimenta a solo a partir de Banguecoque, Tailândia, o blogue Combustões (versado sobre arte, política e história), “a blogosfera portuguesa sofreu, ao longo dos anos, uma profunda mudança. Foi inicialmente veículo de sã e despreocupada necessidade de comunicar contornando as barreiras da chamada ‘Imprensa oficial’ e da mais do que duvidosa ‘opinião pública’ por aquela construída, quando essa ‘opinião pública’ se limitava, claro, à opinião que se publicava e aos sempiternos opinadores. Depois transformou-se em arena de enfrentamento ideológico, muitas vezes com recurso à soez agressão verbal e ao insulto pessoal resguardados pelo anonimato”. No que ao seu Combustões diz respeito, recebe diariamente diversos e-mails com comentários, críticas e sugestões. Nota curiosa é o crescente interesse dos decisores políticos pelo conteúdo dos blogues. “Abrindo a lista de visitas, verifico receber diariamente leitores dos ministérios, da Assembleia da República, das câmaras municipais, das embaixadas portuguesas e até dos órgãos da União Europeia”, diz Castelo Branco.
Se os blogues começaram por ser desacreditados pelos políticos, muitos deles não dispensam ter hoje ali a sua tribuna virtual. É o caso do ex-primeiro-ministro Pedro Santana Lopes (pedrosantanalopes.blogspot.com) ou do já referido Pacheco Pereira, além de economistas de referência como Pedro Arroja (portugalcontemporaneo.blogspot.com) ou o sociólogo António Barreto, cronista do diário Público e um dos mosqueteiros do blogue Sorumbático – onde pontificam outros nomes conhecidos como Helena Roseta, Carlos Pinto Coelho, Baptista-Bastos, Nuno Crato, Alfredo Barroso, Saldanha Sanches, Galopim de Carvalho, Nuno Brederode Santos, Joaquim Letria, Maria Filomena Mónica, Alice Vieira, Pedro Barroso ou Manuel João Ramos.
Pedro Quartin Graça, do Partido da Terra, deputado eleito nas listas do PSD, é um blogger de primeira linha com vários espaços de intervenção. Para além do seu blogue pessoal (pqg.blogspot.com), é ainda autor do Ilhas Selvagens (ilhasselvagens.blogspot.com) e participa igualmente em blogues colectivos como o muito propalado Câmara de Comuns (camaradecomuns.blogspot.com). O deputado não tem dúvidas em declarar à NS’ que “a blogosfera é o futuro informativo credível. É notória a interligação entre rádio, televisão, jornais e a blogosfera, com a participação frequente e ‘ao vivo’ de bloggers em programas de rádio e de televisão e o aumento de espaço que na imprensa é dedicado às opiniões expressas em blogues”. Curiosamente, recapitula Quartin, “a blogosfera é também um importante palco de recrutamento de jornalistas”. Entre inúmeras vantagens da blogosfera está o facto de ser “um espaço interessante, gratuito e, acima de tudo, livre”. No seu caso, a última funcionalidade que adicionou ao blogue pessoal foi a ligação ao Twitter, o que lhe permite estar em rede em tempo real com dezenas de leitores, naquilo que considera um “valioso serviço público”.
João Gonçalves é a alma do blogue Portugal dos Pequeninos (portugaldospequeninos.blogspot.com), no topo dos mais visitados e citados pelos seus pares.
Entrou “nisto” em Junho de 2003, a título de mera curiosidade, depois de se ter apercebido da existência do Abrupto. Só mais tarde verificou que já navegavam verdadeiras “esquadras” blogosféricas como, por exemplo, A Coluna Infame (“falecida” em 2003). Gonçalves prefere “a iconoclastia solitária” e admite que a blogosfera tenha alguma influência “silenciosa”. “Tem-na certamente na ajuda a compor a ‘agenda’ dos media tradicionais, mas nada que se compare aos países onde ela é uma referência. Aqui, tudo é muito pequenino. Até os blogues. Todavia, pressente-se que há alguma atenção dirigida à blogosfera. De tal forma que o próprio poder se socorre dela, por interpostos "anónimos" com ou sem nome, para os devidos efeitos (ou contra-efeitos)”, diz. Para Gonçalves, o blogue é um instrumento de liberdade para “tentar perceber” e não exactamente um “diário” onde se alivia ou pratica “teorias da conspiração”. Quanto ao estatuto dos bloggers, “basta ler os jornais e uma ou outra televisão para constatar a transposição de bloggers para a vida pública embora a inversa seja mais vulgar”.
Francisco José Viegas, jornalista, escritor e blogger pioneiro, alimenta a blogosfera há vários anos. Hoje reconhece-se de certa maneira menos encantado. “Já gostei mais de blogues e já os li mais, logo de manhã. Por vários motivos, continuo a lê-los e encontro-lhes grandes virtudes, a par de coisas dispensáveis (a verdade é que antigamente muitos idiotas andavam anónimos pelas ruas e hoje grande parte deles encontra-se na blogosfera)”, diz, com a sua patibular ironia. Sendo a net barata, acessível e livre, “dá para tudo, para o melhor e para o pior, para a maledicência e para a aldrabice, para as cartas de amor (ridículas, evidentemente) e para a banalização de tudo. É aí que estamos todos”.
Rui Castro, autor do blogue de referência em matéria política Nem Tanto ao Mar (nemtantoaomar.blogspot.com), um dos mais visitados, com médias de leitura acima do milhar, acha óbvia a importância crescente de alguns blogues junto de muitos jornalistas e políticos. “Basta constatar o uso deste meio de comunicação pelos principais candidatos nas principais eleições ocorridas nestes últimos anos”, diz. Entre os blogues políticos que segue com mais atenção destaca, à esquerda, o 5 Dias e o Arrastão. À direita tem uma escolha mais vasta: O Cachimbo de Magritte, Insurgente, Blasfémias, Portugal dos Pequeninos, Mar Salgado, Voz do Deserto ou A Causa Foi Modificada.
Paulo Querido, jornalista freelance e um dos pioneiros da blogosfera (pode ser lido no webzine Certamente em http/pauloquerido.pt), duvida de que por cá se caminhe para a esfera de impacte das congéneres americana, inglesa ou francesa, onde os bloggers rivalizam ou são angariados pela imprensa generalista. “Duvido de que a blogosfera portuguesa venha a ter tanto impacte quanto essas, uma vez mais por causa da massa crítica e da capacidade de investimento da nossa sociedade, que é diminuta. Nem temos umablogosfera particularmente arrojada e desafiante nem temos uns media particularmente propensos, ou abertos, à inovação e à mudança”, diz.
Pedro Vieira, também conhecido por Irmão Lúcia, do blogue de sátira (irmaolucia.blogspot.com) e co-autor do Arrastão, não vê ainda sinais suficientes desse capital de influência. “Já se vai mostrando músculo, os jornais vão citando a blogosfera, criam conteúdos a partir de temas e/ou abordagens amplamente debatidas nos blogues. Há um debate muito mais rico nos blogues, mais sustentado e duradouro, mais ideológico até, numa época imediatamente posterior àquela em que se dava como acabados esses conceitos de esquerda/direita, progressista/conservador, por aí fora”, adianta. No entanto, Vieira duvida de que a esfera de influência cresça até atingir a profissionalização de um Huffington Post (gigante portal anglo-agregador de blogues). “Acho que essa questão está muito dependente da solidificação de um grupo de leitores participativos e exigentes. E de bloggers que estejam dispostos a utilizar o seu tempo livre para produzir matéria-prima relevante. Mais tarde um ou outro poderão profissionalizar-se, na esteira do pretendido com os árbitros de futebol, coincidência que poderá não ser muito moralizadora”, remata o picaresco Vieira.
Uma cronologia selectiva
30.03.1999 – Início do Macacos Sem Galho, de Pedro Couto e Santos, o blogue português mais antigo ainda em actividade
15.10.2002 – Pedro Mexia, João Pereira Coutinho e Pedro Lomba lançam A Coluna Infame, primeiro blogue português de cariz predominantemente político
01.01.2003 – José Mário Silva e o irmão, Manuel Deniz Silva, apresentam o Blog de Esquerda, como contraponto à Coluna Infame
23.02.2003 – Criado o Blogue dos Marretas, por três docentes da Universidade da Beira Interior
27.03.2003 – Paulo Querido cria O Vento Lá Fora, depois rebaptizado Mas Certamente Que Sim!... ou, apenas, Certamente!
02.04.2003 – Carla Hilário de Almeida cria o Bomba Inteligente
25.04.2003 – Ricardo Araújo Pereira, Zé Diogo Quintela, Miguel Góis e Tiago Dores criam o blogue Gato Fedorento, precedendo o programa televisivo
06.05.2003 – Pacheco Pereira inicia o Abrupto
08.05.2003 – Surge um blogue de grande impacte em termos de audiência, de autor anónimo, O Meu Pipi
12.06.2003 – Começa o Desejo Casar, reunindo um alargado grupo, incluindo jornalistas, arquitectos,designers, juristas, argumentistas, filósofos
25.06.2003 – João Morgado Fernandes dá início à publicação do Terras do Nunca, precedendo o French Kissin'
04.07.2003 – Paulo Gorjão inicia a publicação do Bloguítica Internacional, que daria origem ao Bloguítica no final de Outubro
10.09.2003 – Inicia-se o Barnabé, próximo do Bloco de Esquerda, com os colunistas Daniel Oliveira e Rui Tavares, entre outros membros
18.09.2003 - I Encontro Nacional de Weblogs, em Braga, numa organização da Universidade do Minho
22.11.2003 - Vital Moreira, Ana Gomes, Vicente Jorge Silva, Luís Osório e Luís Nazaré são alguns dos fundadores do Causa Nossa
01.12.2003 - Rita Barata Silvério inicia o Rititi
29.02.2004 - Primeira “mega-fusão” da blogosfera portuguesa: Mata-Mouros, Cataláxia e Cidadão Livre dão origem ao Blasfémias, com nomes como os de Carlos Abreu Amorim, Rui Albuquerque, Gabriel Silva, a que se juntaria pouco tempo depois João Miranda
27.10.2004 - A blogosfera é sacudida com o caso Do Portugal Profundo, com a Polícia Judiciária a confiscar o computador do autor do blogue por alegada quebra do sigilo judicial a propósito do caso de pedofilia na Casa Pia
17.05.2005 - Medeiros Ferreira, Joana Amaral Dias e Bettencourt Resendes são alguns dos criadores do Bicho Carpinteiro
30.11.2005 - Paulo Guinote cria o Educação do Meu Umbigo, muito lido por professores
03.01.2006 - Constança Cunha e Sá inicia O Espectro, que contaria também com a participação de Vasco Pulido Valente
24.05.2006 - Daniel Oliveira regressa à blogosfera, com o Arrastão
05.06.2006 - Pedro Vieira dá início aos seus “rabiscos” no Irmão Lúcia
25.11.2006 - Nasce o 31 da Armada, com uma vasta equipa, sob o comando de Rodrigo Moita de Deus e Paulo Pinto Mascarenhas
17.10.2008 - Cisão no 5 Dias, leva à formação do Jugular, em que participam, entre outros, Fernanda Câncio, Inês Meneses, João Galamba, Maria João Pires, Miguel Vale de Almeida e Paulo Côrte-Real.